Estranhos que visitaram

sábado, 25 de janeiro de 2014


A única coisa que me acalma agora é o cheiro da vela de canela que queima na mesinha da sala. Você me presenteou dias antes de partir, me deixou uma vela grande, o símbolo do sétimo dia, pra que eu fosse capaz de velar o fim de nós dois. Lutou pra aceitar as próprias desculpas esfarrapadas, lutou para acreditar que seria melhor me deixar na sarjeta dos sentimentos, replicou que seria para um futuro feliz.

Egoísta. Aquele que pensa que faz bem ao outro, deixando o outro de lado, dizendo o que é melhor para o outro. Mentiroso.  Não faz sentido você decidir o que é bom pro outro, mais bonito falar o que sente de verdade e ir.

Pra que quis enfeitar tanto as ruas, colocar trilha sonora em tudo e me pegar no colo? Tudo tinha data de validade e eu saboreei sem pensar na infecção que isso causaria.

Por você gastei minhas palavras mais belas como a última vida de um gato. A palavra orgulho só tinha o lado bom, que era a vaidade de te ter ao meu lado. Mentira. Você nunca esteve ao meu lado, eu estive atrás de você incessantemente, amar não funciona assim, entendi.

Eu me cortava a cada encontro, saliva e sangue, lágrima e perfume. Você e você. Mesquinho. Decidiu me dar o resto dos teus sentimentos outrora usados, jogou meus versos no lixo. Me encontro numa ressaca de semanas.

Imploro à vida, ao universo, aos deuses, imploro pelo esquecimento arrebatador. Que teu cheiro saia dos becos, que um outro me beije melhor, que eu vire o capítulo desse drama, que um outro alise meus cabelos com os dedos e me cale chamando o meu nome.

Imploro para que eu me ache novamente, que eu redescubra o meu eu, tenho saudade de mim e choro. Desgraçado. Escondeu minhas chaves, quebrou minha bússola, pintou meu rosto de lama. Não fique nem mais um instante, eu não consigo tirar o adeus das mãos. Eu não consigo tirar o teu nome da minha boca.

Manipulador. Nem fica, nem vai. Sedutor, contador, trapaceiro. Fez do meu amor um jogo infantil, revista velha na sala de espera.


Sai. Saia daqui, do estado, do meu mundo. Vá embora que meu desgosto cresce, a saudade também e me odeio por isso. Não sou mais completa, não mais sou ansiosa ou sonhadora, me agarro nas memórias cortantes e mentirosas e perigosas e pobres. Parabéns pelo espetáculo, desarme o circo é tempo de silêncio na cidade.