Estranhos que visitaram

quinta-feira, 4 de março de 2010

Espelho


Era inverno e sentia minhas orelhas geladas, meu nariz estava rosa e me olhar no espelho antes de ir ao trabalho era o que eu adorava fazer. Eu passava o dia vendo as pessoas nas ruas, praças, restaurantes e aquele momento pra mim era sagrado, era uma egoísmo saudável. O Heitor me ligou pela manhã marcando um jantar, era sábado e adorava sair com ele aos sábados, sentia uma energia muito boa na cidade. Ele marcou um jantar no meu restaurante francês predileto o L’ Alouette. Eu tinha certeza de que ele ia me pedir em casamento, estávamos naquele “passinho” há tanto tempo.

Passei a tarde no quarto escolhendo roupas, maquiagem, sapato etc. Mas eu sabia que havia algo errado, ele não era o mesmo ao telefone, “eu não fiz nada”, pensei. Eu estava apaixonada por Heitor, mas ele sempre dizia para que fôssemos com calma. Eu era muito bonita, vários homens me cercavam, faziam promessas, mas eu só tinha olhos para o Heitor, eu tinha certeza de que ele era o homem da minha vida. Cada encontro que eu tinha com ele, fosse especial ou não, fazia parecer meu mundo parecer conto de fadas, era tudo tão perfeito: eu tinha o amor da minha vida ao meu lado, todos os meus amigos o adoravam, ele tinha um bom emprego, e gostava de tudo o que eu fazia e me amava, claro.

Eu estava muito apaixonada pelo Heitor. Adorava acordar ao lado dele aos domingos e fazer o desjejum na cama, usando sua camisa azul e branca listrada, ele adorava quando eu penteava meu cabelo na sua frente, dizia que quando a escova deslizava o fazia lembrar de sua mão acariciando meu corpo em nossas lindas noites de amor. Heitor amava meu cheiro doce, dizia que o acalmava depois de uma semana tão agitada e que a alegria da vida dele era eu. Quando eu estava trabalhando na loja da Srª. Marie, ele sabia meu horário de almoço e sempre que podia chegava com uma surpresa, minhas amigas suspiravam. Eu estava loucamente apaixonada por Heitor.

“20h, o meu amor chegou!”, falei sozinha. Peguei meu casaco branco, fiz um jeitinho na franja, retoquei o batom, peguei as chaves e lá estava Heitor, encostado no carro, de costas para mim. Cheguei devagar e o abracei de surpresa. Ele me abraçou tão fortemente, parecia nunca ter me abraçado. Entramos no carro e o silêncio reinou. Eu sabia que algo estava acontecendo. Ele ligou o som e a música que ele colocou foi “Sexed up”, fiquei mais preocupada. Enfim chegamos ao restaurante, nosso nome reservado para a mesa “dez” – meu número predileto. Heitor tirou a cadeira e eu sentei.
Perguntou-me o que eu queria, sugeri um vinho branco, ele me acompanhou.

A cada dois minutos ele passava a mão na cabeça, pausadamente eu perguntei o que estava havendo. Ele gaguejou e eu sabia que quando isso acontecia era um sinal de que ele tinha feito algo errado. Certa vez eu encontrei uma liga de cabelo no carro dele, mas fiquei calada e deixei no mesmo canto, eu não queria causar uma briga. Heitor começou a dizer que eu não tinha ideia da dimensão do amor dele por mim, que é homem e tem desejos – comecei a mudar de feição – mas que um dia após o trabalho, levou a Marcelinha para casa, ela o seduziu e... Ele insistia me chamando de “amor”, eu disse que não me chamasse de amor. Marcela era uma ruiva muito bonita, mas muito atirada e eu sempre tive um pé atrás com ela.

Começamos a discutir, ele arrumou várias desculpas para consertar a burrada que fez. Enquanto ele falava comecei a perceber que eu me olhava tanto no espelho, mas não me enxergava de verdade, eu enxergava alguém que fosse perfeita pro Heitor. Meu mundo parou naquele momento, levantei da mesa, não fiz cena, não chorei em público, nem gritei. O frio estava me fazendo tremer. Heitor veio atrás de mim, mas fora do restaurante eu gritei, pedi para que ele me deixasse conhecer quem na verdade eu sou, sem ele. Talvez alguém melhor que o projeto perfeito que eu tinha feito para agradar “o Heitor”. Peguei um táxi e fui para casa. Tirei toda roupa e tomei um banho, um banho longo, queria que a água lavasse por fora, e quem sabe, por dentro.

Minha caixa postal estava lotada de mensagens do Heitor. Fiquei ouvindo todas as mensagens. Coloquei a música “Sexed up”, acendi um cigarro, abri uma vodka e pedi uma pizza. Enquanto ouvia as últimas mensagens do Heitor, transei loucamente com o entregador de pizza, ele era melhor que o Heitor, sem dúvidas.

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